2019
Cesar Callegari[1]
Élida Graziane Pinto[2]
Mais uma vez, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo acatou – inconstitucionalmente – a inclusão de gastos com aposentadorias e pensões nos recursos mínimos que o governo paulista tem obrigação de aplicar para atender a mais de 3,5 milhões de alunos nas cinco mil escolas da sua rede pública de ensino.
Ao apreciarem as contas de 2018 dos ex-governadores Geraldo Alckmin e Márcio França, os Conselheiros decidiram dar mais cinco anos de prazo para a exclusão desse cômputo irregular. A despeito da impugnação do Ministério Público de Contas, prevaleceu o faz-de-conta que previdência é educação até 01/01/2024.
É espantosa a alegação de que proibir o desvio de recursos educacionais para cobertura de rombo previdenciário seria uma medida complexa demais para ser resolvida rapidamente, como se esse problema fosse recente. Ora, já em 2000 a CPI da Educação criada pela Assembleia Legislativa havia comprovado esse e outros desvios perpetrados entre 1995 e 1998.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, nunca foi plenamente cumprida pelos sucessivos governadores paulistas que embutiram despesas relativas a aposentadorias e pensões dentro do gasto mínimo estadual em educação e dentro da aplicação dos recursos dos fundos de manutenção e desenvolvimento da educação básica e de valorização dos profissionais da educação (anterior FUNDEF e atual FUNDEB). Só nos últimos oito anos, cerca de R$28 bilhões (em valores corrigidos pelo IPCA) foram desviados do FUNDEB para cobrir insuficiência financeira da SPPrev.
Décadas se passaram no Estado mais rico da federação e agora, a pretexto de gerir escolhas trágicas diante da crise fiscal, negou-se, de novo, o estrito e imediato cumprimento às constituições Federal e Estadual e à LDB. Todos sabem que é inconstitucional e ilegal, mas adiam a resolução do problema para o próximo governante, ao custo da má qualidade da educação básica estadual e da ocultação contábil do passivo previdenciário.
As consequências desse desfalque são gravíssimas. Um jovem egresso do ensino médio paulista sai da rede pública estadual sabendo o equivalente ao esperado para a nona série do ensino fundamental. Em matemática, só 10% dos estudantes têm conhecimentos satisfatórios e apenas 33% sabem o suficiente de língua portuguesa. Há índices alarmantes de evasão escolar, precariedade estrutural e superlotação das salas de aula, contratações temporárias em excesso e falta de valorização dos profissionais da educação, dentre outros dados que atestam a crise educacional paulista.
Em 2015, os estudantes se manifestaram ocupando as escolas. Talvez agora, eles e seus professores devessem também “se ocupar” da defesa dos recursos constitucionalmente vinculados à educação básica. Se as mobilizações no ensino superior foram capazes de impugnar parte do contingenciamento que atinge as universidades federais, com maior ênfase é preciso desvendar o custo da ignorância imposto aos milhões de crianças e jovens da educação básica paulista por essa bilionária, histórica e inconstitucional sonegação dos recursos a ela vinculados.
Não podemos aceitar o faz-de-conta que sacrifica o presente e o futuro da educação pública para ocultar o passivo previdenciário mal resolvido ao longo dessas últimas décadas de pedaladas educacionais em São Paulo.
[1] Sociólogo. Foi deputado estadual (1995/2003) e membro do Conselho Nacional do FUNDEB até 2018.
[2] Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo.