2018
Cesar Callegari e Luís Carlos de Menezes
Doze milhões de respostas à consulta sobre a primeira proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), cuja segunda versão vem sendo discutida, indicam que a escola brasileira deseja a Base e dela necessita. Contudo, ela corre perigos e deve ser blindada de disputas políticas-partidárias, precisa se fortalecer contra os ataques “fundamentalistas”, deve evitar simplificações que empobreçam os currículos e não pode sofrer atrasos.
A Base é a primeira das estratégias relacionadas ao atingimento da meta nº 7 do Plano Nacional de Educação-fomentar a qualidade da educação básica. Sua existência está ancorada na Constituição Federal, cumpre dispositivo expresso da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e pode contribuir decisivamente para o enfrentamento de quatro problemas crônicos do nosso sistema educacional: fragmentação, desarticulação, desigualdade e falta de qualidade. Com ela, pretende-se definir com clareza os direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento que crianças, jovens e adultos devem realizar durante diferentes etapas. Espera-se que dessa Base resultem diretrizes duradouras sobre as quais serão elaborados e implementados currículos e projetos pedagógicos das escolas, os materiais didáticos, a formação de professores e as avaliações da aprendizagem. O amplo debate dessa iniciativa pela comunidade educacional parece ter desarmado opositores de primeira hora que a temiam conservadora e restritiva à liberdade de ensinar. Não são esses que a ameaçam.
O primeiro perigo real é que esse tema seja remetido para o ambiente das disputas político-partidárias. Tanto quanto possível, a Educação deve se colocar acima desse jogo e, por isso, não convém que a BNCC ou parte dela seja definida em Lei elaborada pelo Congresso Nacional como pretendem alguns parlamentares. Conforme determina a legislação vigente, a Base deve ser um documento normativo produzido pelo Conselho Nacional de Educação a partir das contribuições de educadores e especialistas. Além disso, os currículos estão sempre em movimento e uma Lei os engessaria.
Outro risco vem das pressões “fundamentalistas” de várias espécies. As normas instituidoras da Base Nacional Curricular devem funcionar como escudo defletor contra toda sorte de dirigismos, sobretudo aqueles do tipo “escola sem partido” que pretendem amordaçar professores e escolas sonegando à nossa juventude o direito a um pensamento crítico sobre temas sensíveis da contemporaneidade. Sexualidade, drogas, política, questões de gênero, diversidades, xenofobia, preconceitos, avanços da ciência, todas essas questões compõem uma realidade complexa à qual a Educação não pode ficar alheia.
Mais um problema: a armadilha de uma simplificação rasa. É preciso evitar que em resposta à crítica de que há um excesso de disciplinas nos currículos escolares, a Base se amesquinhe em conteúdos meramente instrumentais e utilitários, como se isso bastasse para o exercício de uma cidadania contemporânea. Não basta! É preciso pensar grande e não curvar sob a régua de nossas atuais dificuldades e limites.
Finalmente, faz-se necessário um alerta quanto ao risco de retardamentos e fatiamentos da BNCC. Cuidados são necessários para garantir qualidade, coerência e aplicabilidade. Mas o fato é que já se avançou muito na direção de uma proposta para toda a educação básica, incluindo o ensino médio. Mesmo diante das atuais turbulências políticas, o processo de sua elaboração segue firme como obra de Estado e não de governos. Sugestões estão sendo incorporadas, aperfeiçoamentos serão feitos. O Brasil tem pressa para fazer a Educação avançar e, com ela, superar seus atrasos e iniquidades históricas. A Base Nacional Comum Curricular é um instrumento valioso nessa luta. Portanto é preciso defendê-la e de sua construção participar.
Cesar Callegari é sociólogo, membro do Conselho Nacional de Educação e Diretor da Faculdade SESI-SP de Educação.
Luís Carlos de Menezes é físico, membro do Conselho Estadual de Educação-SP, Professor Sênior da Universidade de São Paulo e Coordenador Acadêmico da Faculdade SESI-SP de Educação.